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Hipocrisia?

Segundo a wikipédia, há 8 feriados nacionais no Brasil. Destes, 3 são de natureza religiosa. Mas, como a wikipédia não é exatamente uma fonte segura, vamos ver o que fala a Lei n° 10607, de 19 de dezembro de 2002:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O art. 1o da Lei no 662, de 6 de abril de 1949, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1o São feriados nacionais os dias 1o de janeiro, 21 de abril, 1o de maio, 7 de setembro, 2 de novembro, 15 de novembro e 25 de dezembro.” (NR)
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3o Revoga-se a Lei no 1.266, de 8 de dezembro de 1950, que declara feriados nacionais os dias que menciona.
Brasília, 19 de dezembro de 2002; 181o da Independência e 114o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Além disso há a Lei n° 6802, de 30 de junho de 1980, que institui o dia 12 de outubro, que também é religioso (Nossa Senhora Aparecida).

Entendo que, em um Estado laico, feriados não deveriam ser baseados em datas específica de alguma religião. Ao mesmo tempo, entretanto, é no mínimo exagerada a reação que vejo por aí contra a ação do MPE de São Paulo contra o “Deus seja louvado” nas notas de dinheiro. Algumas coisas são importantes de serem lembradas aqui:

Primeiro, “um erro não justifica outro”. E daí se há feriados nacionais de natureza religiosa? Isso justifica a tal expressão no dinheiro? Quem usa essa justificativa para criticar a iniciativa do Ministério Público é que é o verdadeiro hipócrita.

Segundo, discute-se que “há coisas mais essenciais com as quais se preocupar”, como se o Ministério Público só fosse capaz de executar um item de cada vez, como se não houvesse capacidade de agir simultaneamente em vários fronts.

Mas, vamos além disso: o laicismo deve ser completo. É inadmissível que a religião tenha influência sobre as ações do Estado moderno, por mais que a situação tenha sido diferente no passado. É importante lembrar que, embora o estado financie e patrocine coisas como o Museu de Arte Sacra ou orquestras que executem peças religiosas, esses casos incluem o fato de que tais obras são consideradas como arte, e mesmo o mais ferrenho dos ateus pode apreciá-las. São expressão cultural, não manifestação religiosa.

Isso posto, quero deixar claro que feriados nacionais não deveriam ter aspecto religioso, mas deveriam ter aspecto cultural. Mais ainda, algumas datas religiosas são mais arraigadas que qualquer religião, como por exemplo o Natal, que é uma data que precede a tradição cristã.

De qualquer forma, a existência de feriados religiosos reconhecidos pelo governo não pode ser justificativa contra a remoção de uma sentença religiosa do dinheiro. Se tanto, deveria servir para uma iniciativa pela remoção da oficialidade dessas datas.


Comentários

  1. Vou discordar de você em alguns pontos aí, Chico. Primeiro devo deixar claro que a expressão "Deus seja louvado" estar nas notas é absurdamente irrelevante para mim. Concordo que a expressão não deveria estar no dinheiro. Nem é questão de acreditar em Deus ou não, só não é o lugar. Mas a questão não é tão simples.

    Agora, trazer os feriados religiosos na questão não é hipocrisia (claro que depende de como o argumento é apresentado… pode-se usar um bom argumento de forma tosca e errada). O estado é laico, mas não é ateu. Não se pode descartar a tradição cristã do país e simplesmente proibir ou abolir esses feriados. Não há nada "errado" em ter os feriados religiosos que fazem parte da história do país e do povo.

    Voltando ao ponto da frase, que também vale para o caso dos crucifixos em repartições públicas, a presença dela ofende alguém? Impõe uma religião oficical? Uma coisa é uma lei que imponha essas coisas, outra é a proibição delas. Sou contra ambas. De novo, o estado é laico, mas o povo tem liberdade religiosa. O meu problema com a questão toda é a forma como ocorreu: o MPE entra com ação para, aí assim, impor uma vontade. Posso estar errado aqui, mas se fosse uma questão realmente relevante então que o Legislativo se movimentasse para fazer essa alteração: ou seja, o povo, através de seus representantes, tomaria essa decisão. O MPE também vai querer alterar a Constituição? Olha lá no preâmbulo:

    “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

    É isso, cara! Abraço!
    Paulo

  2. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

    Primeiro, o estado não é um sujeito pra ser ateu ou não; ele deve ser laico, o que significa igualdade de condições para todos os credos. Só por isso já significa que a constituição não deveria ter esse "sob a proteção de Deus".

    Segundo, que eu não disse se sou a favor ou contra os feriados religiosos. De fato eu falei até que alguns deles são mais culturais que religiosos…

  3. Claro, o estado não pode ser ateu, eu disse no sentido de o estado ser laico não significa necessariamente suprimir qualquer referência religiosa carregada ao longo da história: os crucifixos, a frase no dinheiro, os feriados. Aliás, concordo com você que os feriados são mais culturais que religiosos, mas são religiosos mesmo assim, e oficiais, entendo que por respeito a uma tradição religiosa do país. Como os crucifixos e a frase.
    Entendo que respeitar a crença mais tradicional da população ao longo da história brasileira e da grande maioria da atual não é desmerecer ou desrespeitar todas as outras. E não impede de forma nenhuma a livre expressão dessas outras crenças. E o estado sendo laico permite que se mantenha ou não! tais referências religiosas tradicionais, de acordo com a vontade do povo, expressa pelos seus representantes no Legislativo, e não por UM sujeito no MPE.

    Pra fechar, um detalhe só pra ser chato com você, Chico: enquanto a festa no solstício de inverno precede a tradição cristã, no Brasil essa data sempre esteve associada ao Natal cristão 🙂

    Bom papo, Chico, bom papo!
    Abraço!

  4. Mas véio, olha só.

    Primeiro, a frase no dinheiro. Ela foi instituída pra seguir a modinha dos EUA, onde o "In God We Trust" tá no dinheiro (que, aliás, sempre foi o mesmo) desde sempre. Aqui a gente já mudou mais de dinheiro que eles mudaram de presidente…

    Além disso, o papel do Legislativo é criar e atualizar as leis brasileiras. Garantir que elas sejam cumpridas é papel do Judiciário, ao qual o MPE pertence. Mais ainda, a Constituição diz que o Estado deve ser laico e que todos devem ter igualdade de condições; isso quem deve fiscalizar e garantir é o Judiciário… o sujeito no MPE está só fazendo o serviço dele.

    Além disso, quem decide qual é a crença mais tradicional da população? O cristianismo foi imposto ao Brasil, há religiões que antropologicamente seriam muito mais "brasileiras"…

    E a história do solstício de inverno reforça meu ponto: no Brasil o Natal é no verão, e ainda assim o tema é de inverno. É uma herança cultural da colonização, não uma tradição religiosa…

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