Depois de doze anos, The Big Bang Theory chegou ao fim. Foi uma jornada, como outra qualquer, cheia de altos e baixos. A série teve seus momentos ruins, mas eles foram mais que compensados pelos momentos bons.
Como sempre, há quem não tenha gostado do final. E, mais significativamente, há quem não tenha gostado da série em geral. Uma coisa é certa, no entanto: TBBT conseguiu evitar os dois piores tipos de final que corria o risco de ter.
ALERTA DE SPOILERS.
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A alternativa ruim
O final ruim teria sido um final parecido (pelo menos no contexto) com o que aconteceu com Game of Thrones.
GoT foi uma série que começou sob forte influência do autor original, e por isso manteve a maior parte da força original da narrativa dos livros. Mas, como sempre acontece em adaptações, a história da série acabou divergindo da história dos livros. Para deixar as coisas ainda mais complicadas, a história na TV rapidamente “alcançou” a história nos livros. A já notória demora do George R. R. Martin em terminar de escrever fez com que a série concluísse a sétima temporada num ponto em que não havia material novo para se basear.
A oitava temporada foi, portanto, construída em “vôo livre”, isto é, sem o suporte da história “original”. Não que isso fosse relevante. A essa altura já havia tantas diferenças entre as duas que poderíamos simplesmente considerá-las como entidades independentes.
De qualquer forma, a oitava temporada passou “batido”, e deixou a impressão de ter sido feita somente para concluir a história. Não houve nada de realmente novo. Tudo que aconteceu cumpriu o único fim de concluir a história. E, não sendo os autores originais, Benioff, Weiss e cia não foram capazes de capturar nesses seis episódios o mesmo clima que permeou toda a série.
O resultado foi um final que, embora não tenha sido ruim – porque ele tem, sim, seus méritos – não foi autêntico.
A alternativa pior
Por mais que, para algumas pessoas, o final de Game of Thrones tenha sido ruim, há um caso pior – BEM pior.
How I Met Your Mother é um exemplo de como uma série que foi, no geral, excelente, consegue arruinar tudo nos cinco minutos finais – quase que literalmente.
A idéia era original e intrigante: o pai conta aos filhos como conheceu a mãe deles. Claro, trata-se muito provavelmente do sujeito mais prolixo de todos os tempos. Mas a genialidade da série se manteve. Um dos aspectos mais interessantes da história eram justamente os malabarismos que se fazia para contar a história em torno da mãe sem que ela aparecesse. O máximo que se via dela era um pé aqui, ou um guarda-chuva ali.
Além disso, a série tinha um nível de planejamento e de auto-referências assombroso – algo que só foi superado pela genialidade maquiavélica de Kevin Feige no MCU. Itens que apareceram nas primeiras temporadas continuavam a aparecer perto do final da série. A história se manteve consistente ao longo dos oito anos – um grande mérito para Bays e Thomas.
Se não fosse pelo último episódio, a série teria terminado como uma das melhores já feitas.
Se não fosse pelo último episódio.
Em umas poucas cenas a série desmorona. Numa das ocorrências de deus ex machina mais safadas de todos os tempos, e Ted fica com Robin, no final mais broxante que já foi escrito. Robin e Barney prontamente se cansam do casamento e se divorciam, numa cena rápida. Praticamente em uma nota de rodapé, Tracy McConnell, a personagem-título da série, morre, sem mais nem menos.
Um Nobel até que não é ruim…
Considerando as alternativas, seria então o caso de racionalizar o final de The Big Bang Theory e dizer que “não foi tão ruim assim”?
Não.
O motivo é simples: racionalizar não é necessário. O último episódio encerra a história de uma maneira positiva, bem-humorada e revigorante.
Sheldon, o personagem que conquistou tanta gente, realiza o seu grande sonho e ganha o Prêmio Nobel, e ainda assim o prêmio em si fica em segundo plano.
O valor de The Big Bang Theory
Uma coisa que algumas pessoas nunca conseguiram entender sobre TBBT é que o cerne da série não são “nerds”, nem “cientistas”. O cerne de TBBT é a universalidade da evolução pessoal pela qual todos têm que passar. Seja o gênio excêntrico, ou a garçonete que queria ser atriz, todos os personagens na série passaram por grandes transformações ao longo dos últimos doze anos.
O fato de popularizar o universo nerd e a ciência são os outros grandes méritos da série, mas talvez seja ainda mais significativo o fato de que esses dois aspectos não foram pontos focais da série, mas serviram como subsídio no contexto da série.
Esses aspectos foram mais marcantes no início da série, naturalmente, já que era tudo novidade. A “nerdice” dos personagens, as referências e as piadas eram algo inédito. Mas nenhuma série vive somente de “gracinhas” – é necessário contar uma história. E qualquer história que se preza avança.
Algumas pessoas que conheço se tornaram críticas ferrenhas à série porque ela “abandonou as origens” – quando na verdade a história simplesmente seguiu em frente. Quando isso acontece os personagens também devem evoluir, ou desaparecem.
Infelizmente esse “purismo” não deixou que essas pessoas vissem a evolução pessoal dos personagens – que reflete a evolução pessoal de qualquer pessoa. E essa é a grande mensagem que eu acho tão relevante: nerds evoluem como qualquer outra pessoa. Não aceitar isso implica na opinião de que algumas pessoas, por causa de suas personalidades ou gostos pessoais, são diferenciadas – o que leva para caminhos perigosos.
Nenhuma série é perfeita…
Nem tudo são flores, naturalmente. Como qualquer série, TBBT também teve seus altos e baixos. E isso é perfeitamente natural, qualquer série de duração mais estendida passa por fases boas e fases ruins.
Especificamente, o primeiro caso que me vem a mente é o Rajesh. Por muito tempo eu esperei – torci, na verdade – para que ele saísse do armário, o que acabou não acontecendo. Isso foi uma oportunidade excelente que acabou desperdiçada: no máximo, o tópico serviu de tema para algumas piadas. Poderia ter seguido o mesmo caminho da participação feminina, e levado a algo muito mais significativo.
Dos outros homens da série, Leonard é o contraponto a Sheldon e Howard no aspecto mais negativo da série. Sensível e tolerante, ele se opõe à masculinidade tóxica do mundo nerd, que se manifesta dolorosamente quando os outros dois insistem em piadas e comentários que não merecem nada além de ostracismo.
O ponto mais alto fica por conta do lado feminino do ensemble. Bernadette, Amy e Penny terminam a série como senhoras de seus destinos (no pun intended), e o discurso de Amy na Cerimônia do Nobel é de se tirar o chapéu. Um ponto negativo seja talvez o fato de Penny – que sempre deixou claro que não queria filhos – acabar grávida.
Mesmo com alguns deslizes, o protagonismo feminino em uma série cujo público é marcadamente masculino é fenomenal. Não são raros os exemplos em que ícones do “mundo nerd” recebem críticas pesadas por tentarem dar maior visibilidade às mulheres – ou às minorias. Felizmente esse não foi o caso com The Big Bang Theory. A série conseguiu, introduzir personagens femininas bem-sucedidas e independentes que cresceram aos poucos até conquistarem o mesmo protagonismo dos homens. De fato, o crescimento pessoal dos homens da série se deve na maior parte à presença das mulheres.
A importância pessoal da série
No geral, o final da série se presta ao mesmo propósito da série no geral. Mesmo com todos os seus tropeços, The Big Bang Theory é uma série que vou levar comigo por muito tempo. Ela retratou aspectos da minha vida que nenhuma outra série teria conseguido. E ela só conseguiu isso graças ao contexto que se propôs a mostrar.
Doze anos são muito tempo. A minha vida passou por altos e baixos nesse tempo, e eu passei por momentos que estarão para sempre entre os melhores – e os piores – da minha vida. Durante esse tempo passei por experiências absolutamente devastadoras. Perdi meu pai, tive que reavaliar a maneira como encaro meus amigos e minha família. Concluí um mestrado e um doutorado e passei por uma depressão. Morei duas vezes no exterior e tive até um período nômade.
Ao longo de tudo que eu vivi, entre todas as coisas, posso contar nos dedos de uma só mão aquelas que se mantiveram constantes. Essa série foi uma delas.
Um final digno
No geral, todos cresceram – e como eu disse antes, esse é o grande ponto positivo da série. Mais que as referências engraçadinhas, mais que as piadas inteligentes, mais que as tiradas científicas. O fato de que esses personagens evoluíram para além do que eram no início da jornada é incalculavelmente precioso. Se existe uma única constante no Universo, essa constante é a mudança. E é justamente esse o recado do último episódio.
O saldo final de The Big Bang Theory é bastante positivo. Nem sempre brilhante, e algumas vezes bem irregular, a série mostrou uma série de pessoas que cresceram sem perder suas identidades e ocuparam espaços aos quais “não pertenciam”. Rajesh infelizmente foi a exceção a essa regra, embora tenha evoluído a seu modo também. Leonard tornou-se mais confiante e resoluto, Howard virou um homem menos inseguro e menos tóxico (embora não completamente). Amy e Bernadette tornaram-se referenciais para mulheres na carreira científica. Penny tornou-se o símbolo de que as pessoas mais diferentes sempre podem encontrar pontos em comum e se relacionar, mesmo quando isso parece impossível.
Mas é Sheldon o personagem mais emblemático dessa evolução. Da mesma forma que Spock em Star Trek, tornou-se o maior representante da perspectiva sobre o ser humano que essa série oferece, justamente por ter se posicionado – à sua própria maneira – como um observador externo. Ele começou a série como um purista intelectual elitista e arrogante. E ouça de alguém que passou os últimos vinte anos no mundo acadêmico, que esse símile não está longe da verdade. No entanto, como os outros, ele cresceu aos poucos para lugares que antes não ocupava. No final, ele se tornou um ser humano muito mais compreensivo – culminando com seu discurso de aceitação.
Concluindo…
Por último, acho que vale mencionar que esses personagens não precisam ser “realistas”. Como qualquer outra série, The Big Bang Theory contou suas histórias através de estereótipos que representavam aspectos distintos. E é justamente a característica marcante de cada personagem que nos faz amá-los ou odiá-los, de acordo com a perspectiva que eles nos oferecem a respeito de nós mesmos.
Para mim essa série foi uma grande aliada na minha jornada de auto-conhecimento, e eu vou sempre me lembrar dela por isso.
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