O público da Cidade Universitária da USP, em São Paulo, pode às vezes surpreender quem não passa muito pela região.
Além do fluxo de estudantes, funcionários e professores, existem outros “modos” que compões o movimento que passa pelas três portarias. Entre eles, os mais relevantes são o escoamento de veículos e as atividades esportivas.
O desvio da USP
Quem passa muito pela região do Butantã está acostumado a ver o trânsito por ali, que está entre os piores da cidade. Por estar próxima a duas rodovias (Raposo Tavares e Castelo Branco) e à Marginal Pinheiros, a Cidade Universitária fatalmente acaba sendo uma alternativa para quem tenta fugir do trafego intenso nos horários de rush. Muita gente passa pela USP, entrando por uma portaria e saindo por outra, o que aumenta muito o número de veículos nesses horários. Some-se a isso a movimentação do público da própria USP, e a situação fica complicada em certos horários.
O esporte na USP
Na paisagem cinzenta de São Paulo, a Cidade Universitária é uma ilha verde. As avenidas largas e a alta taxa de vegetação oferecem um pouco de sossego, ou de ar livre. Até mesmo gente que foge do alto movimento dos parques, como o Ibirapuera, acaba vindo parar aqui.
A Cidade Universitária sempre esteve ligada ao esporte. O CRUSP, que hoje em dia serve de alojamento para alunos da Universidade, é um exemplo disso. Originalmente o conjunto serviu de Vila Olímpica para os atletas durante os Jogos Panamericanos de 1963. Ficou como um legado dos Jogos.
Dessa forma, é natural que as pessoas vejam a Cidade Universitária como um lugar acolhedor à atividade esportiva. E, de fato, muita gente a usa com esse objetivo, sejam membros da comunidade universitária ou não. As manhãs de sábado são marcadas pela presença de atletas e equipes de apoio de várias assessorias.
Atividade-fim
O problema começa quando as pessoas esquecem que as atividades-fim da Universidade são o ensino, a pesquisa e a extensão à comunidade. O principal objetivo da Cidade Universitária é oferecer um ambiente propício à atividade acadêmica (que inclui as três modalidades acima). Ao mesmo tempo, como se trata de um espaço público, pode haver confusão quanto a isso, já que a idéia da “coisa pública” transmite a impressão de direito irrestrito.
Acontece que, justamente por se tratar de um espaço público, é responsabilidade de todos zelar pelo uso adequado desse espaço. Isso significa, entre outras coisas, garantir que os objetivos principais da existência desse espaço sejam atingidos.
Muitos esportistas que frequentam a Cidade Universitária se esquecem disso.
O movimento do sábado
Quem já tentou circular pelo campus durante uma manhã de sábado sabe que pode ser bem complicado se deslocar se o caminho inclui lugares como a Avenida Professor Mello Moraes. A enorme quantidade de pessoas praticando atividade é tão grande que passar pelo lugar se torna um enorme desafio. Além disso, o consumo de água e outros alimentos pelos atletas também gera muito lixo. O resultado é visto muitas vezes somente na segunda feira. Depois do domingo a semana começa com uma enorme quantidade de lixo espalhada pelas vias, apesar dos cestos de lixo.
A convivência às vezes é bem difícil. Quem tenta passar, estacionar ou simplesmente dá o azar de estar no lugar errado na hora errada acaba virando alvo. A imprudência de muitos motoristas é o outro lado dessa moeda. O resultado é que acidentes fatalmente acontecem.
Mas, por terem maior presença apenas no sábado, a interação desse pessoal com o público local é menor. O mesmo não acontece com os ciclistas, que usam as ruas da Cidade Universitária durante toda a semana.
Campus Universitário ou Centro de Treinamento?
Por causa da natureza das ruas da Cidade Universitária, muitos ciclistas acabam sendo atraídos para treinar aqui.
Treino versus transporte
Existem, por aqui, dois tipos de ciclistas: esportistas e “commuters“. Estes são aqueles que usam a bicicleta como meio de transporte para se deslocar para o trabalho ou para a faculdade. Aqueles, por outro lado, são amadores ou profissionais da biclicleta que usam a Cidade Universitária para treinar – seja pelo condicionamento físico, seja para competições.
Usando a desculpa de que a bicicleta é classificada pelo Código de Trânsito Brasileiro como meio de transporte, argumentam que têm o mesmo direito de circular pelas ruas que os carros e ônibus. Entretanto, essa classificação não vale nesse caso, já que a bicicleta não está sendo usada como meio de transporte. É um instrumento de lazer ou de trabalho. O texto desatualizado e impreciso do CTB abre brechas para esse tipo de racionalização, e isso acaba gerando muitos problemas.
Esporte é coisa de país sério
Infelizmente o Brasil não leva o esporte a sério. Atletas recebem pouco ou nenhum incentivo e recebem cobranças muitas vezes injustas por resultados. A infra-estrutura para a prática de esportes é, no melhor dos casos, insuficiente.
Por isso os praticantes de esportes – principalmente aqueles que não envolvam dois times de onze jogadores e uma bola – acabam sendo forçados a procurar locais alternativos. Neste caso específico, os ciclistas esportivos acabam treinando nas ruas, nos parques ou nas estradas. Com um trânsito que mata mais que a Guerra na Síria, o Brasil faz disso uma atividade de alto risco.
Ocorrências na USP
É de se compreender, então, que tantos ciclistas acabem escolhendo a Cidade Universitária. É um ambiente separado, com vias amplas e longas. É perfeitamente natural – e aceitável – que eles procurem usá-las para o treino.
Infelizmente a convivência não é uma coisa fácil. O fluxo de ciclistas na Cidade Universitária se tornou tão intenso que começou a atrapalhar o funcionamento da universidade. Menos educados que os corredores, muitos ciclistas não respeitam os (poucos) semáforos. O mesmo acontece com a sinalização das vias, como faixas de pedestres. Aqui acontece um fenômeno curioso: os carros quase sempre param para os pedestres na faixa, mas os ciclistas não. De fato eles nem tomam conhecimento de quem está a pé.
Relatos de abusos não faltam:
- Pedestres que quase foram atropelados na faixa de pedestres
- Acidentes graves que quase aconteceram porque um ciclista furou o farol vermelho
- Pelotões compostos por várias dezenas de ciclistas que ocupam uma avenida inteira e bloqueiam o trânsito
- Ciclistas que não olham para os lados ao desviar de alguma coisa e se jogam na frente dos carros
- Indivíduos que ignoram a proibição na Rua do Matão (muito inclinada e tortuosa)
Os casos se repetem e se acumulam. Anos atrás houve até mesmo relatos de alguns ciclistas que haviam contratado seguranças armados para intimidar quem “estivesse no caminho”.
É absolutamente essencial ter em mente que a Cidade Universitária não é um Centro de Treinamento. Quando a atividade dos grupos de treino começa a atrapalhar o funcionamento normal da universidade é necessário estabelecer limites.
Ainda estamos longe da solução
As regras divulgadas no último 27 de maio são apenas a iteração mais recente de uma longa série. Iniciativas anteriores da USP, algumas apoiadas por portais de esportes, assessorias e marcas esportivas, acabaram não dando em nada. Sem conscientização adequada, duvido que esta também gere frutos duradouros.
Infelizmente, a tendência atual é a desregulamentação do trânsito. Isso se fundamenta em uma idéia estúpida de que as pessoas vão criar consciência de forma espontânea. É necessário ir na direção oposta, modernizando o CTB, aumentando as campanhas de conscientização e endurecendo as penas sobre os infratores.
Até lá, vamos continuar em pé de guerra.
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