de Finibus Bonorum et Malorum



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Um ano que fez sentido

2023 foi um ano… interessante, para dizer o mínimo. Eu nunca imaginei que algo que eu mencionei no final do post de 2022 fosse ainda algo a ser lembrado, mas… aqui estamos.

Quase na metade do ano, e eu ainda não fiz este post. Certamente é um recorde. Um recorde triste, mas ainda um recorde.

A parte mais difícil é que fica complicado deconvoluir o que deveria entrar aqui e o que deveria ficar para o post seguinte. O tempo passa e as memórias começam a ficar meio misturadas. Aos poucos eu começo a não ter muita certeza se algo aconteceu no ano passado ou nos últimos meses.

Mas não quero chegar a JUNHO sem ter alguma coisa aqui.

Falemos de 2023, então.

2023 foi um ano intenso, com um susto logo no começo do ano. Mas tivemos o apoio inestimável de certas pessoas absolutamente espetaculares que eu tenho o privilégio de ter na minha vida. Isso tornou a experiência toda muito menos traumática e dolorosa.

Ainda assim, um problema de saúde na família dominou quase o ano inteiro. Não falei muito disso aqui (e nem pretendo, além destas poucas palavras), e por isso não vou dar muitos detalhes. Mas foram mais visitas ao hospital, mais exames de imagem e mais angústia que eu esperaria para DEZ anos, quanto mais apenas um.

Felizmente, no final do ano a coisa finalmente se encaminhou para uma resolução (embora tecnicamente isso seja tema do próximo year review), com a cirurgia em Março (com algumas complicações que, embora ainda não tenham se resolvido, estão praticamente finalizadas).

Fora isso, na minha vida individual o ponto central foi o diagnóstico de TEA+TDAH. TInha passado alguns anos procrastinando e tentando descobrir como proceder. Em 2023 eu finalmente fui atrás do diagnóstico, do teste neuropsicológico e de outras ferramentas do tipo. Isso levou à abertura de uma Caixa de Pandora que continha um número de desafios proporcional ao tempo da minha vida que eu passei sem um diagnóstico formal. Até então, eu tomara como falhas de caráter ou simplesmente incompetência algo que, na verdade, sempre foi uma deficiência.

O que eu tenho para dizer é: o processo é difícil, gente. Tudo gira em torno de dois pontos:

  1. O luto pelo que poderia ter sido
  2. Redescobrir minha própria identidade

O Luto

Ao tomar ciência de todas as maneiras como o TEA e o TDAH me afetaram – ainda afetam! – uma das primeiras coisas que passaram pela minha cabeça foi imaginar onde estaria se não precisasse carregar esse handicap comigo.

Deixar esse sentimento para trás é muito difícil, especialmente para quem já passou dos quarenta. Bate um sentimento agudo de coisas que eu poderia já ter deixado para trás. É incômodo ter que justificar o fato de já ter um doutorado em Física e ainda estar na graduação. Na imensa maioria das vezes, para mim mesmo.

Uma coisa é certa: ter conseguido chegar onde cheguei, carregando esse peso morto, é certamente uma conquista. Disso eu não tenho dúvidas. Mesmo assim, é inevitável ficar pensando onde eu estaria se essa âncora não estivesse ali, me atrapalhando. É muito difícil dizer; minha vida inteira é uma convolução de vários fatores, e desfazer isso é praticamente impossível. Está tudo tão interrelacionado que no fim das contas eu me veria numa situação parecida com a do Cap. Picard em “Tapestry“:

“Há muitas partes da minha juventude de que não me orgulho. Eram como fios soltos, partes de mim que gostaria de remover. Mas quando puxei os fios, eu destruí a malha que compõe o tapete da minha vida.”

Jean-Luc Picard, Star Trek: The Next Generation; Tapestry (S6E15)

“Temet Nosce”

Processar o luto é algo que acontece. Cinco fases e etc.

Mas auto-conhecimento é uma coisa meio traiçoeira. Ainda mais quando você passou quarenta anos da sua vida aprendendo a lidar com o mundo de uma certa maneira.

Uma maneira quebrada, para sermos claros. Meu cérebro funciona de um jeito diferente do “normal”. Por isso eu interajo de maneiras heterodoxas, assim como encaro o mundo. Passei quarenta anos desenvolvendo “protocolos” para lidar com essas diferenças. Uma das melhores analogias é pensar que pessoas neurotípicas rodam iOS, e eu tenho um Android. A compatibilidade é, no melhor dos casos, difícil.

Mas é mais que isso. Em parte, sim, esse processo – que não termina no diagnóstico, mas se inicia – envolve abraçar uma maneira mais legítima de interagir. Mas trata-se também de redescobrir a própria identidade. Ainda não estou num estágio em que eu possa realmente falar sobre isso; por enquanto, fico com o enunciado do desafio: responder à pergunta: “quem sou eu?”

2024, então

2024 começou com tudo. Se 2022 foi dominado pelo sentimento de estar de volta ao primeiro ano no IFUSP, 2023 marcou minha entrada na área da saíde – o segundo ano da Física Médica e o contexto geral do ano passado me fizeram enveredar por esses caminhos. É meio esquisito falar de como anda o curso – e meio deprimente pensar que foi necessário fazer o bacharelado e amadurecer por quase vinte anos para realmente apreciar certas coisas da Física – na verdade, do IFUSP. Isso reforça ainda mais a ideia de que é bem necessário amadurecer um pouco antes de entrar direto numa faculdade depois da escola. Um curso de nível superior tem tanto a ver com a maneira como se encara as coisas quanto com o preparo acadêmico prévio.

2024, então, começou dando cambalhotas. Mergulhei ainda mais na área da saúde, adquirindo o gosto por disciplinas que eu sempre evitei. E ao mesmo tempo, uma sequência de revoluções sucessivas na minha vida pessoal – mas isso fica para o ano que vem.

De preferência, sem procrastinar por cinco meses.


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