A ciência brasileira e a falta de recursos
A ciência brasileira nunca recebeu muitos investimentos. De fato, é corrente a história de que profissionais brasileiros são altamente valorizados no exterior devido à sua capacidade de improvisar, propondo soluções simples e criativas para os problemas que enfrentam. Entretanto, a falta de investimento sempre ameaçou a ciência brasileira, pois até mesmo a criatividade tem alcance limitado quando não há nem mesmo o que consertar. Por mais produtiva que seja, ela só pode contribuir com o conhecimento se estiver equipada para tanto. Equipamentos antiquados, espaços e verbas limitados e falta de pessoal assombram a pesquisa no país.
Para onde vai a ciência brasileira? A julgar pelas notícias recentes, o prognóstico é péssimo. Estamos à beira do abismo: universidades não têm dinheiro nem para pagar a conta da luz, cada vez mais verbas são cortadas (“contingenciadas”) e o já pequeno investimento brasileiro em pesquisa e desenvolvimento vai encolhendo cada vez mais. É como tentar abastecer São Paulo com a água do lago do Parque do Ibirapuera.
Desde a última eleição temos visto uma cadeia de péssimas notícias que não parece ter fim, e em vez de tentar remediar a situação a classe política brasileira tem preferido discutir o sexo dos anjos em vez de procurar soluções para os problemas do país, que é sua verdadeira responsabilidade.
Enquanto isso, setores fundamentais para o desenvolvimento do país são negligenciados, sendo utilizados como moeda de troca, de maneira temerária e irresponsável.
Fisiologismo
O fato de o governo tratar cargos e ministérios como commodities, que podem ser negociadas e trocadas com os partidos da “base aliada” em troca de favores nesta ou naquela votação. Nesse chamado “presidencialismo de coalizão” o Palácio do Planalto foi transformado num balcão de negócios onde a competência técnica em nada influencia a nomeação de um ministro, de um secretário ou de qualquer outro cargo que tem influência direta sobre os rumos de todos os setores do governo. Ministérios importantíssimos, como Saúde, Educação e Ciência & Tecnologia. Não é à toa que a situação do país está tão crítica: esses ministérios (e seus orçamentos) raramente têm ficado nas mãos de alguém com competência para tratar desses assuntos, sendo em vez disso entregues a este ou aquele afilhado político. O resultado é uma pessoa sem nenhum conhecimento tomando decisões de caráter técnico sem nenhum preparo.
Economia em frangalhos
A política econômica estúpida e desastrosa dos últimos anos foi o que ocasionou a atual crise. A “herança maldita” continha entre outras coisas uma economia combalida, porém estabilizada, inflação sob controle e dinheiro em caixa. Aproveitando a grande demanda chinesa por produtos que produzimos em grande quantidade, “surfamos” na onda, ganhando de presente índices econômicos espetaculares. Em vez de capitalizar isso, pensando que a maré alta não duraria para sempre, não guardamos nada, aumentamos irresponsavelmente o gasto público e geramos um gasto que não poderíamos manter indefinidamente. Quando a onda acabou, naturalmente, levamos um tombo. E aí veio o crime: em vez de admitir a falha e trabalhar para corrigir o problema, o governo escondeu a situação, segurou até onde podia os dados negativos, para assim garantir um bom resultado na eleição. O resultado não poderia ser diferente: um problema que já era grave se transformou em uma crise generalizada, não apenas econômica, mas também de confiança. Poucas pessoas hoje em dia acham que a crise será superada logo
Cultura colonial e o investimento em pesquisa
O pior de tudo: a cultura brasileira não valoriza a pesquisa e o desenvolvimento científico. Somos imediatistas e ignorantes, e não enxergamos a necessidade de P&D. Sempre na vanguarda do retrocesso, ainda encaramos a economia como se estivéssemos no auge da Primeira Revolução Industrial, e nossa mentalidade colonial nos faz acreditar que teremos sucesso dependendo exclusivamente da exportação de matéria-prima. Isso acabou faz tempo. Os países mais bem-sucedidos do mundo não são apenas industrializados, mas são aqueles que investem pesadamente em pesquisa e desenvolvimento. Veja o gráfico abaixo, retirado desta matéria do blog The Conversation:
O gráfico acima é bem ilustrativo. A largura das barras representa o produto interno bruto (PIB) de cada país, a cor azul representa o investimento do governo, a cor vermelha o investmento privado e o cinza representa outras fontes de financiamento. Em média, os países do G20 (os 20 países com maior PIB do mundo) investem 2% de seu PIB em Ciência e Tecnologia. Dois países se destacam:
- a Coréia do Sul está disparada na ponta, investindo 3,7% de seu PIB. Neste caso, é bom notar que o PIB coreano é pequeno, ou seja, mesmo investindo uma parcela maior, o volume total não é tão grande.
- os Estados Unidos são o grande gigante, investindo uma fatia enorme (comparativamente) do seu igualmente enorme PIB. Em termos absolutos isso representa uma quantidade imensa de dinheiro; não é à toa que eles são a grande potência em termos de pesquisa científica hoje em dia.
Nesses países o investimento consistente em pesquisa e desenvolvimento ao longo das últimas décadas tem garantido a renovação de suas indústrias e economias.
E o Brasil?
A ciência brasileira recebe investimentos de pouco mais de 1% do PIB. Quase a metade da média do G20. E nosso PIB não é tão grande assim. De fato, se pensarmos em proporções, o PIB brasileiro é um pouco menos que o dobro do coreano. Ainda assim, eles investem um percentual do PIB 2,5 vezes maior do que nós. Isso significa que a Coréia do Sul, um país com 50 milhões de habitantes (1/4 da população brasileira), investe em ciência e tecnologia mais de seis vezes o investimento brasileiro.
Esses dados, aliás, são de 2013. Antes de a bolha brasileira estourar, quando os investimentos brasileiros nessa área estavam em alta.
Atualmente sempre que há notícias a respeito das agências de financiamento do governo quase sempre trata-se de cortes. Bolsas, custeios, repasse para as universidades… a “pátria educadora” não tem o menor pudor em cortar justamente aquilo a que alega dar a maior importância. Ainda ontem a Capes anunciou (mais) um corte monstruoso nas bolsas de pós-graduação do país.
Normalmente, ao ver o logo “pátria educadora”, um observador amador poderia supor que isso significaria que, mesmo em tempos de crise, o investimento em educação seria protegido. Mas, como já diz o ditado, o Brasil não é para amadores.
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